Tampouco cabe a aplicação analógica da Portaria ao caso concreto. Com efeito, a finalidade da norma que protege populações acometidas por calamidade pública é de resguardar situações de extrema penúria, que
comprometem a própria sobrevivência física e biológica das pessoas afetadas, o que justificaria a alocação dos valores a serem recolhidos a título de tributo para despesas com o mínimo existencial, é dizer: víveres, moradia,
vestimentas e mesmo o funeral de familiares, por exemplo.
Nesse sentido, o estado de calamidade pública provocado pelo vírus Covid-19 atinge horizontalmente a todos, mas em graus distintos, motivo pelo qual aplicar analogicamente uma portaria de forma indistinta a
todas as sociedades empresárias que se arvorem nos direitos conferidos pela norma contraria o próprio fundamento da analogia: aplicar a mesma norma a pessoas que materialmente encontram-se na mesma situação fática e
jurídica.
Portanto, nesse cenário, não sendo a norma apontada como fundamento legal para o direito pleiteado, não se pode falar em perfeita subsunção do fato à norma.
Ainda, cabe observar que o funcionamento de fato da atividade empresária da parte impetrante neste momento não está a depender do deferimento deste pedido, na medida em que o não recolhimento de tributos,
caso venha a ocorrer, não impede de pronto, per se stante, a continuidade das atividades empresariais. Antes, dará ensejo a cobranças futuras dos valores impagos, caso não sobrevenha norma geral e abstrata que ampare a
pretensão mandamental, de interesse de grande parcela das pessoas jurídicas submetidas ao poder tributante do Estado brasileiro.
O tema foi objeto de recentíssimo enfrentamento no âmbito do Tribunal Regional Federal da Quarta Região. Em decisão monocrática, proferida nos autos do processo eletrônico n. 5012017-33.2020.4.04.0000,
consignou-se que o Poder Judiciário não detém competência para adiar vencimento de tributos. Segue, abaixo, a íntegra da decisão, cujos termos também adoto como razões de decidir:
DESPACHO/DECISÃO
Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que indeferiu pedido de concessão de liminar em mandado de segurança, nos seguintes termos: "1- Trata-se de mandado de
segurança visando "a) seja CONCEDIDA A MEDIDA LIMINAR inaudita altera pars para permitir à impetrante: (i) postergação do vencimento dos tributos de competência da União Federal
e administrados pela Receita Federal do Brasil (IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, IPI, IRRF e Contribuição Previdenciária e outras Contribuições Previdenciária destinados aos terceiros) e do
parcelamentos mantidos perante à RFB e PGFN para o último dia útil do mês subsequente ao encerramento do Estado de Calamidade Pública previsto no Decreto Legislativo nº 6/10, e
subsidiariamente, em face da decretação do Estado de Calamidade Pública pelo Estado de São Paulo, a postergação do vencimento dos mencionados tributos nos termos da Portaria MF
12/2012, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário nos termos do art. 151, IV do CTN, bem como para determinar que a Autoridade Coatora se abstenha de realizar quaisquer medidas
de cobranças de tais débitos, inscrição no CADIN e impeça a emissão de Certidão Negativa com Efeitos de Negativa; (ii) a postergação do prazo de entrega de obrigações acessórias no âmbito
da RFB para o último dia útil do mês subsequente ao encerramento do Estado de Calamidade Pública previsto no Decreto Legislativo nº 6/10, e subsidiariamente a postergação dos prazos de
envio das declarações nos termos da IN 1243/13, bem como impedir a exigência de qualquer multa em virtude do atraso no envio das obrigações acessórias no mencionado período. (...) c) Seja
Julgada procedente a ação para confirmar a liminar, concedendo a segurança para garantir o direito líquido e certo da impetrante de: (i) postergação do vencimento dos tributos de competência da
União Federal e administrados pela Receita Federal do Brasil (IRPJ, CSLL, PIS, COFINS, IPI, IRRF e Contribuição Previdenciária e outras Contribuições Previdenciária destinados aos
terceiros) e do parcelamentos mantidos perante à RFB e PGFN para o último dia útil do mês subsequente ao encerramento do Estado de Calamidade Pública previsto no Decreto Legislativo nº
6/10, e subsidiariamente, em face da decretação do Estado de Calamidade Pública pelo Estado de São Paulo, a postergação do vencimento dos mencionados tributos nos termos da Portaria MF
12/2012, suspendendo a exigibilidade do crédito tributário nos termos do art. 151, IV do CTN, bem como para determinar que a Autoridade Coatora se abstenha de realizar quaisquer medidas
de cobranças de tais débitos, inscrição no CADIN e impeça a emissão de Certidão Negativa com Efeitos de Negativa; (ii) a postergação do prazo de entrega de obrigações acessórias no âmbito
da RFB para o último dia útil do mês subsequente ao encerramento do Estado de Calamidade Pública previsto no Decreto Legislativo nº 6/10, e subsidiariamente a postergação dos prazos de
envio das declarações nos termos da IN 1243/13, bem como impedir a exigência de qualquer multa em virtude do atraso no envio das obrigações acessórias no mencionado período." Alega a
impetrante que "é importante importadora e distribuidora de vinhos com mais de 115 funcionários (documento 1). Ocorre que em virtude da Pandemia do Covid-19 há evidente colapso na
economia brasileira, principalmente nos Estados onde a impetrante exerce a maior parte de suas atividades: Estado de Santa Catarina e São Paulo. Nesse ponto cumpre mencionar que a
impetrante está impedida de executar sua atividade empresarial no Estado de Santa Catarina, consoante os Decretos Estaduais 515 (17/03/2020) e 525 (23/03/2020) (documento 2). Além disso,
o Estado de São Paulo decretou Estado de Calamidade Pública através do Decreto Estadual 64.879 (20/03/20), pelo qual suspende a execução das atividades da impetrante, conforme art. 2º do
texto (documento 3). Ainda, é importante lembrar que a União Federal decretou, através do Decreto Legislativo nº 6/20, o Estado de Calamidade Pública até 31 de dezembro de 2020. Em razão
deste cenário, resta evidente que o faturamento da impetrante será reduzido drasticamente, o qual não será suficiente para arcar com todos seus compromissos financeiros nos próximos meses, tais
como folha de pagamento, fornecedores e tributos." 2 - O instrumento próprio para situações de calamidade (a presente decorrente da pandemia do COVID-19) é a moratória já prevista no
CTN: Art. 152. A moratória somente pode ser concedida: I - em caráter geral: a) pela pessoa jurídica de direito público competente para instituir o tributo a que se refira; b) pela União, quanto a
tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, quando simultaneamente concedida quanto aos tributos de competência federal e às obrigações de direito privado; II
- em caráter individual, por despacho da autoridade administrativa, desde que autorizada por lei nas condições do inciso anterior. Parágrafo único. A lei concessiva de moratória pode circunscrever
expressamente a sua aplicabilidade à determinada região do território da pessoa jurídica de direito público que a expedir, ou a determinada classe ou categoria de sujeitos passivos. Art. 153. A lei
que conceda moratória em caráter geral ou autorize sua concessão em caráter individual especificará, sem prejuízo de outros requisitos: I - o prazo de duração do favor; II - as condições da
concessão do favor em caráter individual; III - sendo caso: a) os tributos a que se aplica; b) o número de prestações e seus vencimentos, dentro do prazo a que se refere o inciso I, podendo atribuir
a fixação de uns e de outros à autoridade administrativa, para cada caso de concessão em caráter individual; c) as garantias que devem ser fornecidas pelo beneficiado no caso de concessão em
caráter individual. Art. 154. Salvo disposição de lei em contrário, a moratória somente abrange os créditos definitivamente constituídos à data da lei ou do despacho que a conceder, ou cujo
lançamento já tenha sido iniciado àquela data por ato regularmente notificado ao sujeito passivo. Parágrafo único. A moratória não aproveita aos casos de dolo, fraude ou simulação do sujeito
passivo ou do terceiro em benefício daquele. Art. 155. A concessão da moratória em caráter individual não gera direito adquirido e será revogado de ofício, sempre que se apure que o beneficiado
não satisfazia ou deixou de satisfazer as condições ou não cumprira ou deixou de cumprir os requisitos para a concessão do favor, cobrando-se o crédito acrescido de juros de mora: I - com
imposição da penalidade cabível, nos casos de dolo ou simulação do beneficiado, ou de terceiro em benefício daquele; II - sem imposição de penalidade, nos demais casos. Parágrafo único. No
caso do inciso I deste artigo, o tempo decorrido entre a concessão da moratória e sua revogação não se computa para efeito da prescrição do direito à cobrança do crédito; no caso do inciso II
deste artigo, a revogação só pode ocorrer antes de prescrito o referido direito. Como o Judiciário não funciona como legislador positivo, a pretensão da impetrante não deve ser alcançada pela via
do Judiciário, até porque a impetrante não é a única empresa a sofrer as consequências da suspensão temporária das atividades, e, inexiste (pelo menos nos autos não consta) qualquer pretensão
resistida em relação à impetrante a justificar a intervenção do Judiciário. 3- Assim, indefiro o pedido de liminar. 4- Requer a impetrante "seja determinado o processamento do presente feito
mediante segredo de justiça (art. 189, inciso III, do CPC)." Desnecessária a tramitação do feito em segredo de justiça, porquanto a questão resolve-se com a marcação dos documentos
protegidos pelo sigilo. E, no caso, apenas o documento do EVENTO 1 - OUT3 contém dados fiscais da impetrante, pelo que deve permanecer com a marcação "Segredo de Justiça (Nível 1)",
excluindo-se da marcação a petição inicial (INIC1). 5- Confirmado o recolhimento das custas, notifique-se a autoridade impetrada para prestar as informações no prazo legal e dê-se ciência do
feito ao órgão de representação judicial da União/Fazenda Nacional para que, querendo, ingresse no feito, nos termos do art. 7º, II, da Lei nº 12.016, de 07-08-2009. Manifestado interesse, fica,
desde já, deferido o seu ingresso. 6- Após, dê-se vista ao Ministério Público Federal." A agravante afirma que, em razão das medidas adotadas, seu faturamento será reduzido drasticamente, o
qual não será suficiente para arcar com todos seus compromissos financeiros nos próximos meses, tais como folha de pagamento, fornecedores e tributos. Argumenta que o pedido de postergação
de recolhimento dos tributos encontra respaldo na Portaria MF 12/2012. Alega que a postergação do recolhimento dos tributos federais que venceram e vencerão no período de Estado do
Calamidade Pública é a única de forma de respeitar a capacidade contributiva da contribuinte, já que exigir tributos um cenário excepcional e sem exercício da atividade econômica "significa
expropriar o seu patrimônio de maneira confiscatória, violando, assim, os princípios insculpidos nos arts. 145, §1º e 150, IV da Constituição Federal". Invoca o princípio da isonomia, porquanto a
Resolução CGSN nº 152/2020 diferiu o pagamento dos débitos dos tributos federais no regime do Simples Nacional. Assim, "resta evidente o tratamento desigual entre a agravante e empresas
do Simples Nacional". Requer a antecipação da tutela recursal. Decido. Se o Poder Judiciário concedesse prorrogação do pagamento dos tributos federais, não só estaria atuando como
legislador positivo, uma vez que a moratória depende de lei (art. 153 do CTN), como também usurparia competência dos outros poderes, o que evidentemente não lhe é dado. Se as empresas
integrantes do SIMPLES foram beneficiadas, o Poder Executivo optou por um critério que revela conveniência política, insuscetível de controle pelo Poder Judiciário. É possível, de acordo com
interesses econômicos e sociais, estimular e beneficiar determinados setores da economia. Não vejo nisso ofensa aos princípios constitucionais da moralidade pública, da razoabilidade, da
proporcionalidade e da capacidade contributiva. Não há similitude de situação que permita invocar o princípio da isonomia. Inaplicável a Portaria MF 12/2012, mesmo porque, no seu art. 3º,
estabelece que a "RFB e a PGFN expedirão, nos limites de suas competências, os atos necessários para a implementação do disposto nesta Portaria, inclusive a definição dos municípios a que se
refere o art. 1º". Essa regulamentação inexiste. Não há probabilidade no direito alegado. Ante o exposto, indefiro o pedido de antecipação da tutela recursal. Intimem-se. Intime-se a agravada
para resposta.
(Signatário (a): ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA Data e Hora: 27/3/2020, às 14:33:43 - Agravo de Instrumento Nº 5012017-33.2020.4.04.0000 (Processo Eletrônico E-Proc V2 - TRF)
Originário: Nº 50037274520204047205 (Processo Eletrônico - E-Proc V2 - SC)
Data de autuação: 27/03/2020 13:41:24
Tutela: Indeferida
Relator: ALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA - 2ª Turma
Órgão Julgador: GAB. 22 (Juiz FederalALEXANDRE ROSSATO DA SILVA ÁVILA))
Assim, indefiro a liminar.
3 Providências em prosseguimento
Notifique-se a autoridade impetrada, nos termos do artigo 7.º, inciso I, da Lei n.º 12.016/2009.
Concomitantemente, nos termos do artigo 7º, inciso II, da Lei n.º 12.016/09, intime-se o órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada.
Desde já admito a União no polo passivo do feito, caso lhe interesse integrar a lide. Poderá o Ente manifestar-se de pronto sobre a questão de fundo, evitando prévio pedido específico de integração ao feito.
Dê-se vista ao Ministério Público Federal.
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 13/04/2020 1396/2064